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M​ã​os no Fogo

by Fred e Regina Guimarães

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1.
Ela pede para ser adormecida com histórias de heroínas a dormir ela pede para ser embalada com palavras do agora sempre dantes ela pede para ser acordada com olhares fixos como estrelas e estrelas movediças como olhos ela pede para ficar mais um pouco diante do bailado das sombras ela pede que lhe entreguem a carta em mão e lhe emprestem a mão por algum tempo ela pede que lhe recordem o nome do presente em fuga e apaguem a data do instantâneo a cores ela pede a mentira e o desmentido dentro de uma caixa do tamanho da boneca com a boneca a tornar-se falante ela pede para ser levada em braços adormecida até à outra margem do repouso ela pede para ser levada pelo nariz até à origem do perfume embriagante ela pede para não ser reconhecida como sonhadora mas antes como expressão da penúria sublime ela pede para ser espanejada como aquela pequena biblioteca composta pelos livros a levar para a tal ilha certa e deserta ela pede tudo o que a perde paragens, paradeiros ela pede o que não tem parança dança quando arde, arde enquanto dança ela pede para esquecer muito até se lembrar de tudo ela pede a festa do estudo até adormecer sobre a fuga das letras e sobre o fulgor da noite analfabeta
2.
Quando eu era pequena metade monstro, metade bela tinha medo de esquecer as vozes dos que partiam ou partiriam e eu amara. Fechava os olhos e lembrava um por um o timbre, o volume e o brilho daquelas vozes já mentais mas ainda sem fantasma que se deixasse habitar. Agora, se abro os olhos o mundo desaparece e com ele meu amado; por isso os guardo cerrados, faço força para ver línguas de ouro lábios rubros e atrás desse tapete o sono de vez perdido. Existia uma mulher Com ciúmes de si própria Essa mulher era eu Mas não a miragem, nem o olhar que a olhava Existia uma mulher com ciúmes de sua própria imagem. Essa mulher era eu mas não a miragem No baile de fumos e distâncias a mais velha dança aos soluços fazendo rir de si mesmos todos os olhos enxutos. A mais velha pensa assim: não tenham medo que eu tenho. Os medos medem-se aos palmos e a coragem de ter medo nunca muda de tamanho. Percebem ou não percebem? Que se lixe quem não pesca! A velha é fresca não acham? Mais gaiteira não se encontra... A velha é a mais velha. A velha é a mais velha história é o mais velho começo e o fim mais velho de todos veio mundo com maus modos e a modos que se despede enquanto dança e soluça muita parra e pouca uva. Não lhe perguntem se chora pois lágrimas come e bebe é isso que a mantém viva. Porque a vida não se escreve.
3.
No dia em que descobri que as escadas tremem de frio que os corredores se inundam para acolher raras mulheres cisnes que as telhas voam para imitar as aves de arribação abatidas a tiro que as portas batem até alguém se dignar arrombá-las dignamente que os vidros choram mais devagar que os olhos engolem lágrimas que os canos se cruzam paralelamente no infinito da sujidade limpa que os candeeiros traduzem escuridão em linguagem de luz que os armários se enchem de fétidas aspas e hífenes perfumados que nesse dia era noite diluviana em árida luz fiquei fora de mim e como sair desse lugar impróprio sem voltar para dentro?
4.
Odd Ode 02:22
Ela escreve cartas aos amigos imaginários e aos amores quase reais Ela escreve cartas ao pai ausente e ao pai presente Ela escreve cartas de ameaça cartas de louvor cartas de pedido de desculpa cartas de pedido de socorro Ela escreve cartas ditadas por fantasmas cartas inspiradas noutras cartas cartas anónimas Ela escreve cartas à mãe que não as lê à irmã que não as entende Ela escreve cartas amarrota-as até fazerem bola e lança-as ao cesto dos papéis Ela escreve cartas esperando que elas sejam roubadas e lidas antes de chagarem aos destinatários Ela escreve cartas aos vizinhos e aos parentes uniformemente afastados Ela escreve cartas cifradas e passado algum tempo nem seria capaz de as decifrar Ela não sabe ler nem escrever
5.
A menina descobre um dia que atrás do espelho não está ninguém. Assim me ardem os olhos de nada ler. A servidão das palavras não me poupou a outros trabalhos que das mãos alheias para as minhas passavam. A menina fugia e as nossas vozes não a encontravam. Sua sombra cresce no céu cada vez que sonhamos imitá-la. Vi o sol sepultar-se em mim e nascer veloz no mercado negro coroado de setas beijado pela menina e pela boca de outros atletas. Há na palavra escravo um espelho que me obriga a escrever. E a única certeza é a de não me ver.
6.
Em sonhos ainda corro como se comesse o como os campos tanto se estendem as flores caem de costas e o céu se espreguiça muito em sonhos busco desvio chamo atalho ao simples facto de ter fome de ter frio e a cada instante separo de antemão a acção do acto escorro, escorrego e até esqueço o quanto já fui esquecida as mortes que me mataram e as outras que ao me abaterem me mantiveram em vida colho o que não semeei escolho não colher jamais tudo o que me viu crescer com os olhos pequeninos das pedras ardendo ao sol
7.
No mesmo saco juntei as pupilas, as papilas e os poros mas a vista, o sabor, o tacto que me transportavam até onde eu não podia sentir nem imaginar não aceitavam viajar em grupo na mesma frase juntei a fama, a fome, o frio mas neste meu jogo de aceno de lenços quem devia partir já partira há muito e eu lia e escrevia toda a velhice nas novas linhas da palma da mão na mesma sala juntei todas as mãos capazes de segurar espelhos todas os chapéus amadores de voo mas a corrente era de ar e apenas ar mas a porta estava aberta e fechada mas a janela ameaçava emparedar-me na mesma vontade juntei a fúria de quebrar versos a viuvez de quebrar vidros o jogo de quebrar ossos mas as árvores descalçavam-se em sua fervura de primavera pela estrada sobem rebanhos ou seja nuvens de aplausos porém nem pelos aplausos, nem pelas vaias, subiremos até às nuvens e em lugar de estrada o abismo abrir-se-á a nossos pés
8.
Por que choras muro quando eu quero que as noites se atropelem? Teu pranto é de pedra. Pudera… E eu não posso deixar de ouvir-te pois rio com vontade de chorar e choro com vontade de continuar. Ó muro da velha casa que te vergas para apanhar uma coisa brilhante. Moeda? Estrela? Bilhete? Um instante? Um alfinete? Ou uma dor lancinante? Entre ti e mim medrou a fina flor da fúria por acaso e por incúria. Também ela dobra a espinha e abana a cabecinha e murcha de paixão pela mão que a colheu como eu. Também ela nasce e morre numa brecha no dia em que o dia não começa.
9.
seu vocabulário lunar voa em volta de alta torre do cimo da qual se salta e ainda não se morre. O mestre esvazia-se mete mãos à obra e pés ao caminho. Gamela de silêncio lhe vai atada ao tornozelo chocalhando. Como o tecido se desfaz de velho assim o ouvido lhe baixa a cada conselho amigo. O mestre não busca o desencontro das fontes fabulosas nem o regresso dos fogos de vista. O mestre despe nossa roupa lhe vai presa à cinta em parte rastejando. O mestre diz que a mesa é de jantar e é de jogo: se agora bem comes, logo perderás. Lambe pois o chão e pisa o corpo. De que se alimenta quem nu não vai? Olhar é meio sustento. Sonhar talvez.
10.
Fuligem 06:01
Alguém ensina a um principiante — supondo que se principia — os passos a dar para ser admitido nessa roda. À tangente. Seguros nem os ramos e certo nem mesmo o chão que pisamos. Alguns cochicham. De que falam? Falam de fuligem, evidentemente. Desse pó em depósito que é preciso raspar... Debaixo da camada negra aparece o não-texto. Aparece é uma forma de dizer pois nem toda a coisa aparecida aspira a ser. O não-texto tem pudor o não-ser tem vergonha. Tão duvidosa como estarmos aqui é a vontade de permanecermos de escaparmos à limpeza das lareiras onde moram defuntas aranhas presas no rigor de suas teias. Segue em frente esse invisível que nos guia. Vai de rastos soldado treinado para uma guerra distante por felicidade distante. As sombras passam-nos rasteiras tropeçar na sombra é nosso saber a cada queda renovado. Porque o mundo verdadeiro deve ser o das sombras doa a quem doer. Só elas corrigem trajectórias só elas nos atravessam e ditam nosso tamanho. Verdadeiro é tudo quanto muda doa a quem não doer. Entre os braços de quem ama não há lugar. E no fraco entendimento de quem sofre não há lugar. É preciso roer as unhas ou cortá-las a lua fora de cena o sol batendo da nuca o sósia de braço dado. Ou é preciso pendurar o sol pelos pés e amarrar à tenra nuca as unhas de cada frase. Morrer vezes sem conta se a tanto chegar a presunção para encontrar o sono bom que se espalha pela casa como brasa fugida à grande fogueira. Morrer as vezes que é preciso ora bem ora mal acompanhado até saber voltar de olhos fechados a cavalo na curva dum sorriso. Diz essa linha: quem muito ama ama mal quem ama. Até lá seremos levados pelo pensamento do pensamento e de medo trememos quando sentimos que o galope abranda. Lá é o lugar de cá onde começa a escrita e esse desengano de poder ser lido no livro que não se escreveu pelos olhos que enfim nos choram. Assim como noutro texto me desencontrei sei de fonte seca que alguém me perderá de vista porque em obras e pecados minha morte se conquista.

about

Gravado entre a casa da Regina Guimarães no Porto , e vários locais em Portugal durante o ano de 2022

credits

released January 23, 2023

Gravado e produzido por Fred

Musica : Fred
Poemas e Voz : Regina Guimarães

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Fred Lisbon, Portugal

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